sábado, 27 de outubro de 2007

Homenagem aos separados pela distância

Dia de sol. Muito sol, muito calor, muita umidade. Lá estava ele, dentro do ônibus, derretendo em meio aos passageiros. O trocador barbudo e mal-humorado passava a cada dois minutos um lenço sujo e nojento em volta do rosto e alguns passageiros olhavam com olhar de reprovação. O trânsito não podia estar pior e não havia lugar para sentar. A mulher sentada na janela próxima a ele estava com um casaco rosa, sem nenhuma expressão de desconforto e com a janela fechada. Não podia ter menos sorte. Uma mancha de suor já começava a formar nas suas costas e tudo mostrava que ia ser um dia difícil. Não tinha muitas nuvens no céu e não ventava..nem uma brisa, um sopro, um consolo.
Dia de chuva. Muita chuva, muito frio, muita umidade. Lá estava ela, dentro do metrô, olhando aquelas pessoas encolhidas pelo frio cortante. Algumas exibiam casacos exuberantes e outras se vestiam do jeito que dava, sobrepondo peças de roupas. No fundo, ela adorava esse clima frio, a chuva cheia de melancolia. O problema é que o dia não tinha começado tão bem como ela esperava. Toda quarta-feira era um dia de muita expectativa: as melhores disciplinas na faculdade, não precisava acordar tão cedo e era o começo do fim da semana. Ela tinha saído em tempo de casa, e se não fosse aquele motorista estúpido que banhou sua perna com aquela poça suja de água, era para ser um dia agradável.
Depois dos dois se sentarem na cadeira da universidade e colocarem o pensamento em ordem, ele pensou nela. E ela pensou nele. E relembraram com um sorriso um tempo ótimo que viveram. Logo o sorriso foi cortado pela saudade, aquela bem famosa, que aperta o coração, quase deixando sem fôlego. Os pensamentos eram mútuos: declarações de que queriam estar juntos naquele momento. Ao mesmo tempo, pegaram o celular. Não deram atenção às pessoas em volta, só queriam expressar seus sentimentos em palavras ou em algo mais concreto que um pensamento. Ela pensou um pouco e escreveu um grande 'QUERIA ESTAR AO SEU LADO NESSE MOMENTO' e assinou com o apelido que ele deu a ela. E ele desenhou na folha de caderno dois bonequinhos que representavam os dois, de mãos dadas, e um coraçãozinho pintado de vermelho entre os dois. Com um 'saudade' escrito embaixo. Tirou uma foto com o celular e enviou.
Quando os dois torpedos chegaram, abriu-se um sorriso bobo em ambos os rostos. Eles sabiam que agora podiam seguir o dia em paz. Antes um dia super desagradável, com uma onda de calor insuportável, agora parecia tudo lindo e perfeito pra ele. E para ela, o dia chuvoso e sua calça molhada não pareciam mais tão escuros e chatos, apenas românticos e imprevisíveis. Os pensamentos simultâneos se multiplicaram durante todo resto do dia e a vida dos dois não podia estar tão conectada se estivessem perto. A distância fez bem, apesar de todo lado negativo. E se distantes estavam bem, pertos estavam melhor ainda. Mal podiam esperar por um futuro juntos, e o medo já não assustava tanto. Amadureciam juntos e aprendiam como viver sem muito contato. Estava tudo bem e continuaria assim por muito tempo.
Vieram muitos outros torpedos e contas altas de telefone. Mas o mais importante eram as palavras que marcavam o que sentiam um pelo outro. E isso era inapagável, inesquecível e sem preço. Os esforços de compensar a distância fizeram somente que o amor aumentasse e todos dias chuvosos pareciam ensolarados. E os dias quentes pareciam frescos. O que o amor não faz, hein?

sábado, 20 de outubro de 2007

Um outro lado da história

Incrível como a gente se engana em relação às pessoas. Ou é aquela amiga que fala mal de você pelas costas, ou é aquele cara que era o máximo até você descobrir realmente quem ele é. O verdadeiro segredo é como reagiremos às coisas ruins da vida. Como reagiremos àqueles que amamos e que nos magoaram?
Eu tenho uma amiga que é queridona por todos. Ela não agüenta guardar segredos sobre ela mesma (como ela mesma admitiu), mas se você contar um segredo pra ela, vai morrer no pensamento dela. É o tipo de pessoa que por ser tão livre e de bem com a vida, não acha necessário perder muito tempo sozinha. Ela quer mesmo é aproveitar essa fase da vida, conhecer as melhores pessoas e ter muita história pra contar. O coração dela não gosta muito de domesticação e, na verdade, nunca se prendeu muito a ninguém, só a certas pessoas: sua família e seus amigos. Ela é do estilo ‘bola pra frente’ e ‘felicidade sempre’. Talvez seja isso o que eu mais admiro nela, e o melhor de tudo é que essa felicidade exposta não é uma máscara, nem algo momentâneo...Eita, pessoa de sorte. São poucos que podem se dizer realmente felizes.
Num período de inverno, essa minha amiga estava num relacionamento muito animador, tudo parecia flores e cor, e a torcida organizada estava sempre satisfeita com o sorrisão da nossa amiga e todo pacote que vinha com essa felicidade extrapolada. O mais importante é que o coração dela estava quase lá. Quase se entregando. Quase querendo se prender. Mas como num filme de reviravoltas, me diga: o que é a vida sem surpresas? A desagradável surpresinha foi o seguinte: quando ela menos esperava, aquela pessoa, aquela que fazia ela sorrir, aquela que quase alcançava seu coração (quase porque é algo muito difícil de fazer), aquela pessoa a decepcionou. E não é decepção por causa de um esquecimento, ou por causa de alguma falha mínima. Quem deras se fosse algo tão fácil de ser esquecido que era só dormir e depois acordar e aí estaria tudo perfeito.
Um cara chamado Robert Louis Stevenson um dia disse que “As mentiras mais cruéis são ditas em silêncio.” Foi mais ou menos isso que aconteceu. Uma omissão. O coração da minha amiga estava em jogo, e todos aqueles sentimentos que estavam começando a brotar simplesmente foram esmagados com crueldade. E todo futuro que poderia vir com muita alegria foi tirado rapidamente de cena. Como um final de novela sem graça, ela, a mocinha da história, se deu mal.
Mas aí me pergunto: será que ela se deu mal mesmo? Talvez esse rompimento não tenha sido a melhor coisa a acontecer? Talvez tenha vindo em hora certa, ou não? Pensamentos negativos vivem repetindo, como em uma vitrola velha e quebrada, que talvez tenha sido uma ótima oportunidade perdida ou que por ser magoada nessa situação, minha amiga não voltará a se entregar novamente.
O negócio é que só Deus sabe o que o futuro reserva. Se Ele tem uma pessoa dez vezes melhor pra minha amiga, qual o problema em abrir o caminho? Se você não acredita em Deus, meu amigo, então que seja o destino. O destino que todos falam e acham que acreditam. Se tem algo bem melhor lá na frente, melhor seguir realmente a filosofia do ‘bola pra frente’ e sigamos. Ser otimista é ver que as situações atuais, não importa o quão escuras pareçam, são reles vivências que serão lembradas com risadas no futuro.
Porque lá na frente, essa minha amiga encontrará alguém que realmente mereça ela. E terá tanto sorriso que não caberá no rosto dela. Apoiada?

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Depois de um dia melancólico

Término do dia. Lá foi ela encostar na varanda, como usualmente fazia naquela hora, para refletir sobre aquela vista sem-graça de sempre. Ao olhar por aquele ângulo, só se via a sua rua, calma e vazia, e o que salvava naquela paisagem era uma exuberante árvore, que estava sempre disposta a dar ‘bom dia’ e ‘boa noite’ a quem a contemplava. Com seu prato de biscoitos doces na mão, pensou um pouco sobre como seu dia tinha sido insignificante, comparado aos que antes lhe sobrevieram. Estava um pouco cansada de tanta superficialidade, de tanta gente mesquinha que impregnava seu ambiente de trabalho. Olhou para seu cachorro, um gordo e feliz beagle, e pensou que talvez seria ele, esse ser carinhoso, o único amigo dela. Ficou triste por saber que tudo ali parecia muito temporário e breve. Tentou esvaziar a mente e beliscou os biscoitos sortidos..jogou um pedaço pro seu beagle, que fez uma cara tão grande de satisfeito que parecia que tinha ganhado o mundo. Ela sorriu diante de tamanha felicidade demonstrada pelo cachorro e desejou que as coisas fossem tão simples assim pra ela também. Mas não queria ficar triste durante aquele resto de dia. Apesar de tudo e todas as circunstâncias colaborarem para isso, ela viu que talvez tudo poderia ser apenas tempestade. E que o que ela precisava mesmo era de uma viagem para uma bela praia a fim de refrescar a mente, a alma e o corpo. Quem sabe não arranjaria grandes amizades ou reencontraria aquele grande amor da vida dela? Começou a procurar vários panfletos de propaganda de hotéis que ela tinha guardado em uma caixa de sapato velha, no fundo do armário. Folheou todos e descobriu um perfeito: no nordeste brasileiro, uma bela pousada com uma rede na varanda, sombra e água fresca todo dia. Em frente a praia de águas límpidas e imensos coqueiros. De quebra, permitia animais. Deu um pulo de alegria e esqueceu a melancolia que há 10 minutos atrás arrematava sua felicidade. Pegou o telefone e agendou tudo pro feriado mais próximo. Ligou pra aquela sua amigona, que estava a quilômetros de distância, e que fazia muita falta a ela. Fez um convite inusitado e ficou surpresa de sua amiga ter aceitado de prontidão! Tudo estava perfeito agora. Mal podia esperar para reencontrar aquela amizade, relembrar os bons tempos (aqueles que não voltam mais haha), jogar baralho acompanhado de vinho até de madrugada e rir até ficar sem ar.
Passou a levar os dias seguintes com mais tranqüilidade, até arriscava uns ‘bom dias’ para estranhos e ria baixo quando imaginava como aquele feriado ia mudar seu humor. Sem perceber, essa viagem já tinha mudado muito de seu jeito de encarar o dia-a-dia, mesmo sem ter acontecido ainda. Quando chegou o dia da viagem, ela mal conseguia se segurar. Jogava, com muito esforço, seu beagle pra cima e pra baixo, rolava com ele no tapete e gritava da varanda pra todos ouvirem: “Vou viajar pra longe desse lugaaaar!! Sintam minha falta, ó seres insignificantes!!” Seu beagle tava achando aquela cena muito engraçada, e ficava latindo e olhando pra sua dona, que estava mergulhada num lapso de loucura momentânea.
Ela parou e olhou pra ele com uma serenidade incomum. Agachou, olhou nos olhos de seu melhor amigo e disse: “Se prepare, sr. Beagle gordo, vamos pra terra do nunca, pra ilha perdida, pra praia de lost!” Ele não podia ficar mais feliz..pulou em seu colo e lambeu todo seu rosto, como se tivesse entendido a mensagem.
O mais importante foi que ela percebeu naquela hora que a felicidade estava ali e agora, e que os dias seriam melhores se ela soubesse levá-los daquele jeito: tendo em mente um futuro feliz... Seja este futuro uma simples viagem ou uma vida abundante e cheia de significado pela frente.

domingo, 7 de outubro de 2007

"O Bom Travesti" de Rubem Alves

E perguntaram a Jesus: "Quem é o meu próximo?" E ele lhes contou a seguinte parábola:
Voltava para sua casa, de madrugada, caminhando por uma rua escura, um garçom que trabalhara até tarde num restaurante. Ia cansado e triste. A vida de garçom é muito dura, trabalha-se muito e ganha-se pouco. Naquela mesma rua dois assaltantes estavam de tocaia, à espera de uma vítima. Vendo o homem assim tão indefeso saltaram sobre ele com armas na mão e disseram: "Vá passando a carteira". O garçom não resistiu. Deu-lhes a carteira. Mas o dinheiro era pouco e por isso, por ter tão pouco dinheiro na carteira, os assaltantes o espancaram brutalmente, deixando-o desacordado no chão.
Às primeiras horas da manhã passava por aquela mesma rua um padre no seu carro, a caminho da igreja onde celebraria a missa. Vendo aquele homem caído, ele se compadeceu, parou o caro, foi até ele e o consolou com palavras religiosas: "Meu irmão, é assim mesmo. Esse mundo é um vale de lágrimas. Mas console-se: Jesus Cristo sofreu mais que você." Ditas estas palavras ele o benzeu com o sinal da cruz e fez-lhe um gesto sacerdotal de absolvição de pecados: "Ego te absolvo..." Levantou-se então, voltou para o carro e guiou para a missa, feliz por ter consolado aquele homem com as palavras da religião.
Passados alguns minutos, passava por aquela mesma rua um pastor evangélico, a caminho da sua igreja, onde iria dirigir uma reunião de oração matutina. Vendo o homem caído, que nesse momento se mexia e gemia, parou o seu carro, desceu, foi até ele e lhe perguntou, baixinho: "Você já tem Cristo no seu coração? Isso que lhe aconteceu foi enviado por Deus! Tudo o que acontece é pela vontade de Deus! Você não vai à igreja. Pois, por meio dessa provação, Deus o está chamando ao arrependimento. Sem Cristo no coração sua alma irá para o inferno. Arrependa-se dos seus pecados. Aceite Cristo como seu salvador e seus problemas serão resolvidos!" O homem gemeu mais uma vez e o pastor interpretou o seu gemido como a aceitação do Cristo no coração. Disse, então, "aleluia!" e voltou para o carro feliz por Deus lhe ter permitido salvar mais uma alma.
Uma hora depois passava por aquela rua um líder espírita que, vendo o homem caído, aproximou-se dele e lhe disse: "Isso que lhe aconteceu não aconteceu por acidente. Nada acontece por acidente. A vida humana é regida pela lei do karma: as dívidas que se contraem numa encarnação têm de ser pagas na outra. Você está pagando por algo que você fez numa encarnação passada. Pode ser, mesmo, que você tenha feito a alguém aquilo que os ladrões lhe fizeram.
Mas agora sua dívida está paga. Seja, portanto, agradecido aos ladrões: eles lhe fizeram um bem. Seu espírito está agora livre dessa dívida e você poderá continuar a evoluir." Colocou suas mãos na cabeça do ferido, deu-lhe um passe, levantou-se, voltou para o carro, maravilhado da justiça da lei do karma.
O sol já ia alto quanto por ali passou um travesti, cabelo louro, brincos nas orelhas, pulseiras nos braços, boca pintada de batom. Vendo o homem caído, parou sua motocicleta, foi até ele e sem dizer uma única palavra tomou-o nos seus braços, colocou-o na motocicleta e o levou para o pronto socorro de um hospital, entregando-o aos cuidados médicos. E enquanto os médicos e enfermeiras estavam distraídos, tirou do seu próprio bolso todo o dinheiro que tinha e o colocou no bolso do homem ferido.
Terminada a estória, Jesus se voltou para seus ouvintes. Eles o olhavam com ódio. Jesus os olhou com amor e lhes perguntou: "Quem foi o próximo do homem ferido?"