sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Les Deux Moulins*

*O título se refere ao nome do café onde Amélie Poulain trabalha.


Numa sexta-feira fresca, a menina das melodias chega à UFES. Mais cedo que o normal para regar e fazer medições em alguns pés de acerola, cumpriu deveres de uma de suas disciplinas. Depois de andar um bocado por causa disso, chegou cansada para beber água. Viu então um cartaz perto do bebedouro: um convite a uma viagem que tinha feito anos atrás, com entrada franca. Uma viagem para reconhecer Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain. Saiu em busca de companhias que estivessem dispostas a trocar o almoço por esse outro alimento mais divertido, mas ninguém se dispôs. Estavam mergulhados nos próprios problemas acadêmicos e no ruído de seus estômagos. Mas ela estava decidida: nem que fosse sozinha, iria ao cinema sim. Ela sabia, mais do que ninguém, que cinema era uma de suas artes favoritas; de graça, no Metrópolis e com tempo livre - imperdível.

Chegou atrasada uns 7 minutos. A sala já estava escura. Sentou e o filme começou simultaneamente. Mochila no colo e pensamentos ainda agitados, foi se deixando levar por cada cena, digerindo-as. Riu bastante. Riu das gargalhadas engraçadas que ecoavam na sala de cinema, riu de satisfação das cenas que voltavam atrasadas à sua mente e riu do humor delicado do filme. Sentiu-se muito bem por estar ali, entre uma aula e outra. Deu aquela sensação de que o universo conspirava para que ela estivesse ali: uma recomendação do filme francês semanas antes, o cartaz no bebedouro, uma aula cancelada, uma incomum falta de fome, a vontade irreversível de ir ao Metrópolis, uma cadeira vazia no canto direito do cinema. Em outras palavras, a falta de companhia, a vontade do dia, o cinema oportuno, um filme francês. Não podia estar mais satisfeita por ser testemunha de uma história de amor cheia de fantasia, muito criativa e cheia de cor. Depois de uns 120 minutos de entretenimento, acabou a sessão. Palmas para o filme de almoço e para a organização. Muitas pessoas começaram a se levantar com um sorriso no rosto, enquanto a luz voltava preguiçosa ao ambiente. Ela observava tudo, lamentando voltar à realidade. Quando as luzes finalmente encheram a sala, recebeu uma surpresa. Se descontrolou ao ver quem se sentava à sua frente: a garota do casaco verde, que vestia uma romântica blusa azul e branca e sorria para uma outra pessoa.

Para não interromper o fluxo de cinéfilos saindo da sala por sua fileira, resolveu levantar e praticamente foi levada pela multidão até a porta. Há muito tempo que ela esperava um momento de encontro parecido com esse, e agora que o tinha em suas mãos, não era normal desperdiçá-lo. Quando finalmente resolveu dar um "oi", a garota do casaco verde atendeu o celular. Um obstáculo para uma pessoa tímida dos pés a cabeça, como a menina das melodias. Esperou um pouco para ver se espontaneamente a garota do casaco verde se levantava e se esbarrava com ela acidentalmente. Mas nada disso aconteceu. Acometida pela covardia da sra. Poulain, decide ir embora de vez. Ainda gastou um tempo na cantina, fingindo estar interessada por alguns daqueles doces, e o movimento de pessoas começava a lhe incomodar. Correu seus olhos pela multidão, procurando-a. Um sorriso discreto ficou perdido no ar, porque a garota do casaco verde, que de pé se portava na entrada do cinema, não viu essa manifestação. Estava distraída conversando com amigos. Foi então que a menina das melodias pensou em esperar mais um pouco, mas logo desistiu da idéia. Se não a encontrasse, seria mais fácil escrever para ela. Talvez isso representasse que ela mesma, como Amélie, gostava de estratagemas, de bilhetes e de mensagens. Ou, como a personagem principal do filme, isso era só mais um jeito de se manter distante, como um mistério, um fantasma. Desse jeito não haveria decepção e ela continuaria sendo somente a menina das crônicas. Ela sabia que lidava melhor com as palavras do que com as pessoas (ou então isso era só mais uma das mentiras que contava para si mesma).

Finalmente foi andando devagar até seu próximo destino, repetindo para si mesma a sua frase preferida do filme, até que tivesse seu bloco de notas em mãos: São tempos difíceis para os sonhadores. Ela sentia na pele o que isso significava. O dia estava mais bonito que o normal e a série de fatos que aconteceram no dia a fizeram sentar na escada mais próxima, que tinha uma vista privilegiada para o jardim. Um casal namorava ali perto. Um menino de óculos preocupado se sentava no corredor. Ambiente perfeito. Lapiseira, bloquinho, a vontade de fantasiar a vida como a própria protagonista do filme; e ali, às 14h30min nasceu uma crônica. E, no mesmo momento, a realidade se perdeu em um simples papel.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Rosa desfolhada


Uma noite de lua cheia contemplava meu rosto pela janela. Era fim de semana e pacientemente eu me arrumava para sair. Ele me buscaria aqui na portaria do meu prédio. Enquanto enxugava meus cabelos pensei em nós dois. Éramos o que as pessoas definiriam como combinação perfeita, mas eu achava somente que éramos parecidos, nada de tão extraordinário. Foi com esse sentimento que desci para encontrá-lo e o cumprimentei com um beijo um pouco seco. Acho que não estava com um humor tão bom assim; desânimo é a palavra certa. Mesmo assim ele me olhou como se eu fosse a pessoa mais fantástica do planeta, o que me fez corar. Não consegui retribuir aquele olhar, e não retribuiria. Fomos passeando de mãos dadas até chegar na festa, um pouco depois do horário combinado. Meu coração estava um pouco descompassado e me aborrecia saber o porquê. Ele estaria lá. O outro ele.


Cheguei até confiante, cumprimentando a todos, tentava esconder minha insatisfação. Abracei a aniversariante, cujo vestido dançava pelo salão, desejando-lhe as coisas boas da vida. Olhei rápido ao redor e não o vi. Respirei aliviada e dei um sorriso para aquele que segurava minha mão. Escorregamos para a varanda e nos debruçamos ali, sentindo a brisa que soprava gentilmente. Estava desconcentrada e distraída, acho até que ele percebeu, mas não quis falar nada. Ele, que me conhecia quase por completo, sabia que se insistisse em alguma coisa só pioraria a situação. O que fez foi perguntar se estava tudo bem. Respondi breve que sim e pensei contraditoriamente na sorte que tinha de tê-lo ali do lado. Quando estava me convencendo do quão feliz eu era, o outro ele chegou. Com o sorriso mais perfeito de todo o mundo no rosto, e tentadoramente sozinho. De jeans preto e blusa pólo azul escuro. Será que ele tinha consciência do quão bem essa roupa lhe cabia? Senti vergonha de olhá-lo tão profundamente, tentando disfarçar todo aquele rebuliço de sentimentos que tomava conta de mim. Inevitável. Em dois minutos a brisa já não estava mais tão fresca e tudo me incomodava. A mão na minha mão me incomodava. A falta dos beijos surpresas e apaixonados me incomodava. A música repetitiva de fundo misturada com o barulho das pessoas conversando alto me doía a cabeça. O cheiro de salgadinhos fritos me embrulhava o estômago e minha sandália estava me matando. Queria correr dali. Estava descontrolada, confusa.


Algumas pessoas dizem que nunca estamos realmente satisfeitos com o que temos, e naquele momento, eu começava a acreditar nisso, quase carregando essas palavras como meu lema. A realidade é que eu não estava satisfeita com meu namoro e aquela camisa pólo azul tinha acabado de sair de um curto relacionamento. Eu juro que podia sentir seu perfume de longe, aquele cheiro de florestas primaveris. Estava enlouquecendo. Levei minha mão ao peito só para jogar meu coração para ele, que sentado à mesa não parava de me olhar. Isso não pode acontecer, disse a mim mesma, digna da moralidade de Jane Austen. Se contenha, carnalidade. Se contenha. Quase repetia isso como um mantra, na tentativa de recuperar minha sanidade. Prometi a mim mesma: Amanhã encerrarei os beijos sem sentimento e as mãos não retribuídas. Não me acomodarei numa ilusão, não é certo continuar enganando a pessoa que está ao meu lado, até porque não sei mentir bem e é uma questão de tempo ele descobrir que não é por seus abraços que suspiro. Tenho vivido por outro, meu Deus. Me entregado sem seu consentimento e chorado pelas minhas atitudes contraditórias. Chega disso. Amanhã será o dia que em que tudo isso acabará e eu paro de trair a mim mesma.


Igualzinho falei na semana passada.

sábado, 25 de outubro de 2008

Trio.


Já que Vinicius de Moraes me faz sorrir a cada palavra pronunciada e Toquinho ganha meu coração a cada acorde e sorriso, preciso despejar uns trechos de músicas do cd "Toquinho e Vinicius - O Poeta e o Violão" de 1975, gravado num estúdio em Milão. Não se limitem a ler isso, mas procurem e baixem o cd, blz? Porque as palavras de Vinicius adicionadas ao violão de Toquinho encantam qualquer um. É muito bom, tem alegrado meus dias.


Primeiro trecho é de Januária, uma música de 1min33s...mesmo não sendo um nome muito bonito, ao ouvir a música da vontade de se chamar assim, só pelo modo como ele a descreve:

Todo mundo homenageia
Januária na janela
Até o mar faz maré cheia
Pra chegar mais perto dela
O pessoal desce na areia
E batuca por aquela
Que, malvada, se penteia
E não escuta quem apela

Quem madruga sempre encontra
Januária na janela
Mesmo o sol quando desponta
Logo aponta os lados dela

Ela faz que não dá conta
De sua graça tão singela
O pessoal se desaponta
Vai pro mar levanta vela


Agora, a música O Velho e A Flor:

Por céus e mares eu andei
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber o que é o amor

Ninguém sabia me dizer
E eu já queria até morrer
Quando um velhinho com uma flor assim falou:

O amor é um carinho
É o espinho que não se vê em cada flor
É a vida quando, chega sangrando
Aberta, em pétalas de amor

De Berimbau/Consolação, esse trecho é mais conhecido:
Eu amei, amei demais
E o que eu sofri por causa de amor
Ninguém sofreu

Eu chorei, perdi a paz
Mas o que eu sei
É que ninguém nunca teve mais
Mais do que eu





Adeus, adeus e boa viagem.
Flá.

domingo, 12 de outubro de 2008

Nosso dia.

Hoje, dia das Crianças, e dia de NS Aparecida e dia da minha mãe Aparecida e dia da leitura e dia de mais um monte de coisa, merece um post especial, incentivado pela Juh (do blog Coisas da Juh)!

Aí em cima, eu nos meus não sei quantos anos, feliz da vida no quintal da casa da minha avó em Jacaraípe, já aprendendo a amar cada planta e animal que vovô tinha. Sem saber, eles me preparavam para ser uma bióloga.


De uns 6 anos para cá, tenho negligenciado o dia das Crianças exatamente para valorizar o aniversário da minha mãe, que é muito mais importante que minha criancice interna. Então também vale uma foto da minha mamãe:



Nos próximos posts espero aparecer com uma crônica ou algum texto menos pessoal, para isso aqui não virar um diário virtual... Estou esperando a inspiração dar um 'oi' de volta.

Beijos :)