segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

No mundo da Lua

Fim de tarde de domingo. Bateu aquele tédio típico de férias. Minha mãe está bem ao meu lado no sofá, entretida nas palavras cruzadas. Este é seu passatempo favorito, no qual ela passa horas vencendo os desafios das charadas, acreditando que este será seu remédio para falta de memória característica dos mais velhos e seu inevitável futuro. Logo à frente está minha irmã, deitada de barriga para cima no maior sofá, lendo uma revista de notícias. Tentando tirar o tempo perdido durante o ano, de alienação, quando só tinha olhos para livros acadêmicos e nada mais. E eu estou vendo televisão, pulando de canal em canal torcendo para que algum programa bom me surpreenda. Só vejo velhos e repetidos apresentadores, com os mesmos clichês de sempre, com o mesmo tipo de roupa de sempre, com aquele microfone de ouro ou aquele sotaque característico. Que droga, estou assistindo a decadência da televisão brasileira. Aperto o botão de desligar, suspirando logo em seguida. Minha mãe me olha. Olha pra cruzadinha. Olha para mim novamente e pede um favor. Passear com meu cachorro. E eu penso que talvez seja a solução dos meu problemas.

Mudo meu short por uma bermuda, dou uma passadinha no espelho e vou na varanda calçar meu chinelo que estava secando depois de um dia de praia. Dou um grito: 'Lucky!!'. Pelo meu tom de voz, meu cachorro já sabia o que eu estava propondo. Barulhinho de patinhas ressoam no apartamento e não demora muito para meu companheiro de sono pós-almoço soltar um latido significativo, comparado ao seu pequeno tamanho. E eu começo uma conversa empolgada com ele, perguntando o que ele queria fazer, se ele não queria passear. Ele late várias vezes em sinal de afirmação. Minha mãe sempre diz que o Lucky entende tudo o que ela diz. Começo a não duvidar disso. Pego sua coleira no quartinho da área, onde estava misturada a espanadores, vassouras e outros instrumentos de casa. Lá está aquela bolinha de pêlo já está me esperando na porta, rodopiando na empolgação de dar uma volta pelo quarteirão. Eu abaixo para colocar a coleira nele, enquanto ele se esquiva de todos os modos possíveis até se render ao inevitável. Lá vamos nós. Ao sair do prédio vejo as ruas vazias e o único barulho que reconheço é do vento batendo nos muros, assoviando, rodando folhas no chão e despeteando meu cabelo. Logo me arrependo de não ter trazido uma borrachinha de cabelo comigo. Meu cachorro é quase levado pela força desse vento tão poderoso. O sol está se pondo e sua luz é tão forte que mal posso enxergar. Sinto sorte por não ter muito movimento pelas ruas.

Me deixo guiar pelo instinto daquele que eu deveria conduzir. Lá vai ele entrar numa rua paralela, parecendo fugir do vento. Tirei um pouco meus pensamentos dele e fui esvaziando minha mente. Quase uma meditação em movimento. Não demorou muito para o sol se pôr totalmente. A escuridão foi tomando aos poucos cada sombra, cada barulho de pássaro, cada casa. Acabamos por sair muito perto da praia. Aquela praia que era pouco frequentada por causa dos fortes ventos e pela falta de estrutura. Eu achava ela linda, justamente por ter aquela cara de selvagem. Resolvi passar por aquela vegetação baixinha para poder alcançar a areia. Uma coruja me olhou de um modo assustador. Nada que me impedisse de sentir novamente a areia sobre meus pés, dessa vez sem pessoas amontoadas umas sobre as outras ou música alta, graças a esta outra praia. Agora eu já estava na perto do mar e o vento já tinha diminuído um pouco. Ajeitei um pouco meu cabelo e sorri porque não tinha ninguém naquelas areias. Só eu e meu cachorro (e os milhares e milhares de animais despercebidos, reais habitantes daquele lugar). Soltei meu cachorro daquilo que ele considerava uma prisão e ele saiu correndo desesperadamente, brincando com cada grão de areia de pulava quando ele corria. Eu sabia que ele ia voltar daqui a pouco e continuei andando devagar. Meu cachorro fazia aquela dança de correr até eu perdê-lo de vista e depois voltar para perto de mim, ofegante e fiel. Não demorou muito tempo para que outro elemento nos fizesse companhia. No céu, um círculo alaranjado começava timidamente a sair por trás do mar. Aquele mar azul servia de contraste para ela. Ela, a formosa e perfeita lua. Ela que adorava ser contemplada por seus amantes ou apenas por amantes. Ela que me arrancou um “Meu Deus...” da minha boca e me fez sentar na areia. Eu olhei ela subindo devagar, vagarosamente como um magnífico balão controlado pela noite. Aquela cor. Fazia tempo que eu não via ela daquele jeito. E o silêncio era tudo o que podia oferecer a ela. Porque qualquer som ou ruído poderia estragar tal majestade. E parecia que o Lucky entendeu isso, porque sentou ao meu lado e olhou na mesma direção que eu. Passei a mão no seu pêlo macio e ele soltou uma lambida no ar, como sempre fazia se concedíamos atenção a ele.

Que noite era aquela...fiquei muito feliz de presenciar uma evolução bem considerável. De uma entediada telespectadora da programação de domingo passei a ser uma amante da lua. E eu realmente a amei naquele momento. Que bela criação. Que bela noite. Só saí daquela praia quando tirei vários retratos com minha mente daquele momento. Porque eu não tinha nenhuma máquina fotográfica que conseguiria reproduzir o que eu estava vendo. Não era somente a lua. Era o esplendor de Deus, era a musa de vários artistas, era aquela que controlava marés e castigava nações em sua fúria, era a luz da noite e o papel de parede de várias vistas românticas. Era a doce e magnífica lua. Quando ela preencheu aquele céu sem nuvens e voltou à sua cor característica, decidi voltar ao apartamento, o que não impediu que eu continuasse a admirá-la. Minha mãe e minha irmã perderam aquele espetáculo, distraídas nos passatempos do dia-a-dia. Uma pena. Eu olhei para o meu cachorro, e agora ele estava com um ar melancólico e calmo. Deitado na varanda em direção a lua, ele tentava descansar do nosso breve passeio. Sentei junto a ele e ali passei a noite: olhando aquela que me hipnotizou minutos antes. Minha presente inspiração.

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