quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Megacena

Ela estava envolvida numa onda calorenta de amor visual. Seja por causa daquele último filme no cinema, seja pelas pessoas na rua, seja pelo clima gostoso de romance no ar. Tudo isso conseguia reproduzir exatamente o que ela estava sentindo...toda aquela bobajada sentimental era o que passava pela mente dela, todos os minutos de todos os dias. De repente o ponto de ônibus não era mais o mesmo. Aquela árvore de sombra enorme não era mais a mesma. Tudo convidava a um momento de sentimentalismo e declarações de amor. Estava enlouquecida. Visão turva, mas cheia de cores e sons.
A verdade é que dessa vez ela quis arriscar de vez. Expôs seus sentimentos da melhor forma possível, do jeito que antes nunca tinha feito, do seu melhor jeito. Escreveu, falou, abraçou aquele a quem tinha dedicado tanto tempo e palavras. Sentou junto dele e falou dos momentos em que pensava só nele. Das vezes que olhava o céu e lembrava das estrelas que ele lhe prometeu em segredo e em brincadeira. De todos os momentos em que eles passaram juntos só em seus sonhos e idealizações. Ao fazer isso ela esperava o melhor. Não era possível que depois de tantos sinais, ela estivesse errada. Não podia ser. Não dava para ser! Dava?
Ao final das contas ela estava errada, mais uma vez. Ele lhe pediu perdão por ter magoado quem ele prezava tanto a amizade. E ela sentiu a garganta seca, e seus olhos já queriam soltar lágrimas e mais lágrimas. Mas ela segurou. E com uma paciência de Jó, continuou ouvindo as desculpas que ele podia dar-lhe. Não prestou atenção em uma palavra sequer. Só se lamentou de um dia ter sentido tudo o que sentiu (como se ela tivesse o controle de algo...).
Depois de uma rápida e constrangedora despedida, suas pernas quase bambas caminharam para longe daquele encontro, em direção à saída daquele grande centro comercial, que aquela hora da noite estava quase fechando. Tinha um rapaz chato gritando as ofertas do dia num megafone desconcertante, ainda esperançoso de vender alguma coisa para os poucos e últimos clientes que perambulavam pelo local. Ela olhou aquela cena e passou reto, sem dizer nada. Mas então ela parou. Deu alguns passos para trás, ainda de costas e olhou novamente para o rapaz chato que ignorava sua presença. Bem devagar ela se aproximou daquela loja. Num movimento rápido ela tomou o megafone da mão do jovem vendedor. Ele olhou atordoado para ela, numa expressão de interrogação. Ela fez-lhe um sinal para que ele não tentasse recuperar aquele objeto. Levantou o megafone bem alto antes de usá-lo num gesto lento, de olhos fechados. Desceu o megafone bem devagar em direção a sua boca e deu um berro: QUE MERDA!!! Jogou o megafone no rapaz, abaixou a cabeça, resmungou mais um monte de palavrões. Nessa altura, algumas pessoas que estavam passando olharam com um olhar solidário aquela triste cena, outros riram e outros se assustaram.
Renovada, voltou a caminhar para a saída, mas deu um sorriso bem grande. Ao abrir a porta, ela já estava envolvida por gargalhadas conseqüentes da cena ridícula e dramática que acabara de fazer. Chegou em casa com o coração já livre. Odiava se ver sozinha, mas ela sabia que aquela situação não duraria mais muito tempo. Registrou tudo o que tinha acabado de passar em seu caderno e prometeu a si mesma que nunca mais se iludiria do jeito que tinha sido iludida. Percebeu então que sinais não significam nada para algumas pessoas. E que ela merecia alguém melhor. Ela já sabia quem era o alguém melhor, e por causa disso, dormiu bem naquela noite e acordou rindo das peças sem graças que nosso coração prega na gente.

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